Cama de Ferro

 

Hoje vou contar a história de uma cama de ferro, que aprendeu a “sonhar” sim porque não?se numa era, em que tudo fala, são os carros, os bonecos, as portas, porque razão é que uma cama de ferro, não pode sonhar?existe algum objeto, que tenha acompanhado mais sonhos, do que uma cama?eu na verdade até sonho acordada, mas é na cama que a maioria dos sonhos acontecem.

Pois bem eu nem sei a idade desta cama, mas sei, que tem, muitos, muitos, anos, e que foi, durante várias, gerações, a cama dos “rapazes” eu só a conheci, com o “rapaz” que foi o seu ultimo, companheiro de sonhos, ele ia entrar para a escola, e passou então a ser o seu “rapaz” ela estava vestida de branco, com umas maçanetas amarelas, muito reluzentes, daquelas que davam um trabalhão, para arear com solarine[1], e assim os dois se iniciaram, nos seus sonhos, ele era menino, sonhava que quando fosse grande, queria ser, electricista de automóveis, mas no dia em que fez o exame, da quarta classe, ao chegar a casa, feliz da vida, cheio de sonhos, o seu pai ofereceu-lhe, uma enxada, novinha em folha, foi a primeira enxadada, nos seus sonhos, nessa noite ele não sonhou, chorou, e a cama chorou com ele.

Mas a vida não parou, ele arrumou a enxada, procurou outro trabalho, foi crescendo, e sonhando, fez-se um homem, mas cortaram-lhe, novamente os sonhos, impuseram-lhe um pesadelo, tiraram-no da sua cama, mandaram-no, para muito longe, numa viagem, sem saber se tinha volta, foi a primeira vez que se despediu, da sua companheira dos sonhos, disse-lhe apenas. JÀ VENHO, e na verdade, veio, mais maduro, mais revoltado, quase sem rumo, mas na calada da noite, aconchegado à sua cama, voltou a sonhar, e sonhou, e foi realizando, os seus sonhos, um dia voltou a despedir-se dela, desculpa, preciso de uma cama maior. Saiu e ela ficou, triste pois já não havia mais “rapazes” naquela casa.

Passados uns anos ele um dia ao ir à sua casa de infância, viu a sua cama, desarmada, triste, quase nua, já tinha perdido as suas maçanetas reluzentes, pegou nela, fez um banco, vestiu-a de vermelho, cor de sangue, de vida, de paixão, pô-la à porta do café, como ela ficou, vaidosa, feliz, voltou a ter vida, via as crianças, que iam para a escola, os idosos que passeavam, na rua, dava fé de todos, que entravam e saíam, no café, mas um dia, a mania das modernices, trocou-lhe as voltas, apareceram, as cadeiras, de plástico, com as mesas iguais, e ela teve que ceder o seu lugar, mas aí ela já não se preocupou, só não queria ser abandonada, o seu “rapaz” levou-a para casa, vestiu-a de preto, uma cor mais sóbria, para a sua idade, e diz bem com tudo, com a parede branca, com o verde, das árvores, com o colorido, das flores, e continua a ter companhia, tem, crianças, tem animais, e tem o seu companheiro, que todos os dias, se senta nela, para descansar, e quem sabe, ainda sonharem os dois, mas agora ela está muito zangada, e não sabe se volta a sonhar, ele um dia saiu, não voltou, e nem sequer se despediu, só lhe disse. 

JÁ VENHO


Para todos os amigos uma Páscoa Feliz, na companhia das vossas famílias.


[1] Produto de limpeza de materiais de latão, marca Coração. Hoje (2021) ainda se encontra à venda existindo outros  do mesmo genro como seja o: Duraglit

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