É Dia de Casamento

 É Dia de Casamento

Não me canso de olhar para as minhas cerejeiras, não existe engenheiro ou arquitecto que consiga competir com a natureza, em perfeição, e como é que nós continuamos a fazer-lhe tanto mal. Agora não é isso que me trás aqui, é que ao olhar para as flores, parecia que estava a ver a grinalda de uma noiva, e como as conversas são como as cerejas, lembrei-me de um hábito que existia aqui na Póvoa e nas outras aldeias vizinhas, quando havia um casamento, todas as mulheres vinham para a rua para ver a noiva, e eu que mesmo de miúda já tinha este mau feitio fiz estes versos.

 

É dia de casamento
vamos toca a despachar
as mulheres saem á rua
para ver a noiva passar.

É só por curiosidade
e nenhuma é codrilheira
mas todas querem saber
se á ramo de laranjeira.

A seguir é o relato
no largo do chafariz
eu adoro ficar á escuta
do que cada uma diz.

A noiva ía bonita
mas o véu era comprido
devia de ser mais curto
para se ver o vestido.

A mãe levava chapéu
era melhor um toucado
e a gola do casaco
pendia mais para um lado.

O pai levava um relógio
mas a corrente era de prata
e o lençinho do bolso
não condizia com a gravata.

E a madrinha da noiva
com a mania que é vaidosa
ia vestida de verde
devia de ir cor de rosa.

Os sapatos da Suzete
até lhe ficavam mal
se cair deles abaixo
vai parar ao hospital.

Não tinha graça nenhuma
a menina das alianças
tinha o cabelo caído
ficava melhor de tranças.

Estas línguas maldizentes
não são fáceis de aturar
para não ter que as ouvir
nem sei se quero casar.

Afinal sempre casei, mesmo correndo o risco de ouvir estes comentários, sim porque em 1973 ainda se mantinha esta tradição, o que já tinha caído em desuso, era a flor de laranjeira - que me desculpem as puritanas da época, aquelas que ainda se disfarçavam de donzelas  -, cá estou eu novamente, vou terminar, mas como podem ver a vida na minha aldeia era uma animação. Vou deixar-vos umas fotos das minhas cerejeiras só para confirmarem se eu tenho razão, são lindas ou não?