Não é sobre azeitonas.
Se eu nem posso comer azeitonas, porque "carga de água" viria até aqui falar de azeitonas?
Não bate a bota com a perdigota, dirão vocês e muito bem. A culpa é da erva de azeitona que tenho no quintal.
A erva de azeitona que o meu Pai trouxe há 38 anos, do açude para aqui.
Quando começamos a fazer a nossa casa, o meu Pai meio adoentado e sem forças para amanhar tanto terreno, entregou o açude ao dono, e quis transformar o meu quintal, num mini açude, (esqueceu-se de que não tinha comparação possível) trouxe, flores, planta, e o seu amor incondicional à natureza.
Algumas coisas já desapareceram, entre as resistentes está a erva de azeitona que todos os anos, volta a rebentar.
Sempre que me chego a ela dá-me uma saudade que dói.
Há dias uma prima pediu se lhe dava um raminho para preparar as suas azeitonas.
Estragou tudo.
- Claro que dou, mas ando com uma saudade das azeitonas à moda antiga que nem imaginas.
-Ó mulher, não seja por isso, eu levo a erva e trago azeitonas para tu fazeres.
Ficou o caldo entornado.
Não posso comer azeitonas.
Já disse, não foi?
Pronto, mas não se trata de azeitonas.
É o passar o serão com os meus pais e irmãos a tirar, pé e folha, é ir montada na Carriça entre os talegos, para as levar ao lagar, é o cheiro do azeite, é o tentar "fugir" de as retalhar.
-Ó Mãe fico com as mãos todas encardidas sou mesmo obrigada a retalhá-las?
-Não te estou a obrigar, só te estou a pedir, agora tu é que sabes.
Pronto, eu sabia, não era obrigação, era dever, a minha Mãe era sábia.
É o cheiro da água a ferver em cima delas e da erva.
É o ir ao rio com o meu pai, atar a saca à figueira e deixá-las lá, nove dias a tomarem banho nas águas limpas e cristalinas da nascente do Trancão (para nós, era o açude) sim porque essas é que eram para o ano inteiro, as escaldadas, duravam menos tempo, eram para estrear no dia de Todos os Santos, com atum de barrica, água-pé e castanhas.
É aquele paladar delicioso com uma fatia de pão acabado de sair do forno e uma caneca de café feito no borralho, depois de tirar o pão.
É este alguidar tão velhinho que utilizei hoje, mais velho do que a minha Mãe, que tinha 30 anos quando eu nasci.
Portanto meus amigos, a conversa nunca foi, sobre azeitonas.
É muito, muito mais profundo.
É vida, é amor.
Saudade?
Talvez não.
Só posso ter saudade do que não tenho.
Eu tenho.
Olha Mãe, não te ponhas a rir, porque eu estou a retalhar azeitonas e não as posso comer, é que já estou velha e tenho luvas para não encardir as unhas.
Olha Pai, já não as podemos pôr no rio, agora já não é o nosso açude, agora é só o Trancão e está tão sujo, cheira tão mal, que nem as moscas lá conseguem sobreviver, mas obrigada pela ervas, ainda vivem e cheiram a ti, cheiram a nós.
Muito obrigada à vida, por estar aqui a partilhar convosco estes pedaços da minha existência.
Muito obrigada por fazerem parte dela.
Uma boa noite meus amigos.
Saúde e paz para todos nós e para o mundo inteiro é o que precisamos.
Sejam felizes.


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