O Meu Outro Lado

 

O Meu Outro Lado

 

Ontem fiquei sem palavras, mas hoje estou disposta a fazer um teste à vossa paciência. Há dias numa troca de opiniões com um amigo, da minha idade, eu comentei que ainda hoje existem muitos homens para quem as mulheres não passam de meros objectos, homens que ainda pensam mandar nos filhos, já adultos e pais de filhos, outros mais novos que em vez de educar os filhos, reprimem-nos. O meu amigo não estava muito de acordo, porque é um homem com letra grande, e para ele mulheres e homens são iguais, mas infelizmente não é bem assim.

Ao ver a quantidade de meninas que me deixaram tantos elogios, resolvi, vir aqui mostrar-lhe o “meu outro lado “e dizer-lhes como é que cheguei ao que sou hoje, como é que aprendi a defender-me. Começo por dizer que antes de me casar a minha Mãe disse-me que quando o meu marido fala-se mais alto, para eu me calar e nunca responder. Ó diabo pensei. Então e, se eu tiver razão?

Diz-me ela. Deixa-o dormir sobre o assunto e no outro dia com calma, diz-lhe a tua razão, verás que ele concorda, assim fiz, e na maioria das vezes resultou. Mais tarde já no café, três episódios que marcaram para sempre a minha vida. Um cliente, pessoa com uma vida muito acima da média, e que é tão boa pessoa, que ainda cá anda a penar, nem o São Pedro o quer lá em cima, um ganancioso, até dizer basta. Só para dar um exemplo: bebia um café, que lhe dava direito a ler três jornais diários, ver todos os jogos de futebol, ir cinco ou seis vezes à casa de banho, e quando queria lanchar, mandava recado à esposa para lhe trazer o lanche. A minha arrelia não era isso, era ele fazer da esposa uma verdadeira escrava. Um dia fui a sua casa ver a Mãe que estava doente, e comecei a puxar a conversa ao “terreno”:

Maria, como é que a Senhora deixa o seu marido a tratar assim?

A conversa foi longa mas ela rematou assim:

- Ó Rosita, eu sou muito feliz, as mulheres são para ser assim.

Opssssss, fugi dali, no caminho até ao café vim a pensar, isto é ser mulher? Então tenho que me ver melhor ao espelho, eu não sou mulher de certeza, devo ser alguma ave rara.


Pouco tempo depois - e estou a falar de 1981 o ano em que fui para o café -, uma vizinha minha que tinha um problema de cabeça, gostava de ir até ao café e sentar-se lá um pouco, não incomodava ninguém, mas também não percebia quando alguém estava com más intenções em relação a ela. Um fulano que era casado, pai e já avô, teimava em sentar-se junto dela e começar com conversas menos próprias, o meu marido avisou-o duas, três vezes e ele insistia. Claro que não deu bom resultado. O meu marido pegou-lhe pelo braço e pô-lo na rua, ao virar costas alguém lhe gritou.

- Olha que o fulano tem uma faca. O meu marido voltou-se deu-lhe um soco que lhe partiu o nariz e saltaram-lhe logo quatro dentes, ali não foi a força de um corpo de um metro e oitenta e três, e noventa quilos de peso, foi a força da razão na defesa de uma mulher inocente, e a força de alguém que quer defender o seu reino, ele tinha ali dentro três mulheres para defender, eu e as filhas que iriam ser criadas lá, e muito bem, felizmente.

Muitas vezes foi chamado de bruto. Pois sim, não fez mal, só assim se impôs o respeito pelo nosso trabalho e muito principalmente por mim, numa época em que uma mulher atrás de um balcão, a conviver todos os dias com dezenas de homens, não era muito bem aceite, mas sempre disse e ainda não mudei de opinião. Não existe homem nenhum que falte ao respeito a uma mulher se ela não quiser, claro que não estou a falar de violações.


Agora o outro episódio, que foi o que mais me marcou.

Um dia à tarde estava sozinha no café, o meu marido fazia parte da direcção do Clube e havia jogo no Campo do Açude, quem é desse tempo sabe que a Póvoa ficava deserta, todos gostavam de ir ver os jogos. Entram cinco homens no café, um bebeu apenas um café, os outros comeram e beberam até querer, quando chega a hora de pagar, um dizia que o presunto era salgado, outro que o queijo estava azedo, outro que a imperial estava morta, e nada de querer pagar. Eu nunca os tinha visto, nem mais gordos, nem mais magros, comecei a ficar em efervescência, dá-me assim um clik, e salta-me a tampa, o meu marido tinha uma arma de defesa pessoal, legalizada, e tinha feito questão de me ensinar a usá-la. Peguei na chave da porta metia a arma no bolso, e fechei a porta com os cinco homens lá dentro, e disse-lhes: agora temos aqui duas soluções, ou partem o vidro da montra, para sair ou pagam e eu abro a porta.

O que tinha bebido o café foi o primeiro a falar. Disse-me que era taxista em Lisboa, não conhecia os outros e aí levá-los a Peniche, demorou um pouco, mas o assunto resolveu-se e pagaram a despesa, mas eu para tomar esta decisão, tive que pensar primeiro, no que estava a fazer ali, era dia 5 de Outubro eu fazia 30 anos, dia de abertura da caça, tínhamos vindo para ali às quatro horas da manhã, para fazer bifanas e sandes para os caçadores que às cinco já faziam fila à porta, e depois ver chegar aqueles filhos de uma real senhora, e pensar em abusar, só porque eu era mulher?

Pois não, não deixei, escusado será dizer que quando abri a porta já vinha pessoal a chegar do futebol, e ainda houve ali uns momentos quentes, felizmente que quando o meu marido chegou, já eles não estavam, e sabem, a vontade dele foi de “matar-me a mim “dizia ele que pensava que sabia quem é que tinha em casa. Afinal, ainda não sabia muito bem até onde pode ir a raiva de uma mulher, quando se sente humilhada.


Tudo isto para vos mostrar, o que fez de mim o que sou hoje, e se continuam a pensar que vos posso servir de exemplo, só vos posso desejar que sejam muito felizes, nas vossas escolhas, e agora as perguntas.

Se fiz sempre a coisa certa? Não. Se tomei sempre boas decisões? Claro que não. Se tive sempre coragem? Não.

Fraquejei muitas vezes, outras tantas, «atirei a toalha ao chão», mas ainda aqui estou. O balanço final deixo-o ao vosso critério, mas digo-vos. Tenho a melhor família do mundo, perfeita não existe, não sou santa nem quero ser, os santos sofrem em vida para serem adorados depois de mortos, e eu amanhã não sei, mas se morrer hoje, morre uma mulher, feliz e amada.


Quanto ao meu exemplo, é sempre melhor seguir a máxima do Frei Tomás, ouve o que ele diz, mas não faças o que ele faz.


Para terminar, vou deixar-vos com um poema que fiz no fim desse ano, e que era uma espécie de ditado, que eu queria ler muitas vezes para não me esquecer, do que aí aprendendo, foi em 1981. Hoje tê-lo-ia escrito igual, sem tirar nem pôr. Isto pode ser um capítulo de um livro que se eu quiser escrever pode albergar, centenas de episódios, destes, reais e ainda com muitas testemunhas presentes.

Ser mulher não é ser lixo
varrido para um canto
ser mulher é ser beleza
ser mulher é ser encanto
Para percorrer lado a lado
a mulher é ser caminho
não ser muda, dizer basta
quando recebe por pedras
o troco do seu carinho.
Ser mulher não é ser trapo
inútil, amachucado
ser mulher é ter a força
de saltar para o outro lado.


Ser mulher não é ser dor
é ser luz, é ser flor
pronta para ser desfolhada
para amar e ser amada.


Ser mulher é ser loucura
ser coragem, ilusão
e até morrer de paixão
mas se é sua a razão
mulher para ser MULHER
tem que saber dizer NÃO

Comentários

Mensagens populares