Erva da azeitona
A caminhada hoje é por aqui, na vossa companhia.
Ontem fui fotografar a erva de azeitona que tenho no meu cantinho, para
mostrar a uma amiga que não conhece.
Passou um vizinho que se admirou de ela se dar tão bem aqui, já que é uma
erva silvestre, lá lhe disse que veio do pinhal do Açude e por saber o quanto
gosto dela, resolveu dar-se bem por aqui.
Ao chegar junto dela e sentir o seu cheiro, entrei noutra dimensão.
Vou contar-vos "onde "andei.
Comecei por ver os meus pais, num dia parecido com o de hoje, a cozer sacas
de sarapilheira, para fazer panos para a azeitona. Não percebem nada não é?
Os meus pais trabalhavam no matadouro, dois dias por semana, os restantes
no campo, em dias de chuva não se podia sair, então iam descoser as sacas e
juntavam quatro, para servir para pôr no chão debaixo das oliveiras, para a
apanha da azeitona.
O meu pai sentia-se muito mal por estar fechado em casa a fazer o trabalho
das mulheres, eu adorava.
A cozinha muito grande, o chão de terra batida, eles sentados perto da
fornalha (chaminé, forno) o cheiro da sopa de feijão, eu a segurar as pontas
das sacas para se descoser melhor, a meio da tarde o cheirinho do café de
borra, feito no brasido que sobrou, e quando o meu pai aquecia um pucarinho de
vinho e lhe punha uma colher de açúcar, dizia ele que aquecia a alma, eu queria
provar e a minha mãe não queria, dizia ele: Ó Maria deixa a rapariga provar,
ela é filha e neta da cepa.
Acabávamos todos a rir e eu provava mesmo, nunca lhe tomei o gosto, era
mesmo para judiar com a minha mãe.
Depois quando chegava a altura da apanha, era uma alegria (para mim,
enquanto era mais pequena) os homens com uma vara muito comprida a varejar as
oliveiras, os mais novos e as mulheres a ripar os ramos, e apanhar as
azeitonas, do chão.
Ao serão nuns tabuleiros de madeira, tirava-se pé e folha, no outro dia em
cima do burro (no caso dos meus pais) lá seguia para o lagar, sempre na
esperança de haver azeite para todo o ano.
E, as que ficavam em casa para nosso consume, divinais, as primeiras eram
retalhadas e escaldadas, eu não gostava nada de as retalhar, ficava com as mãos
todas pretas, dizia a minha mãe, mas queres comê-las não é? As outras para
durar todo o ano, eram postas dentro de uma sarapilheira, no rio e ficavam lá
nove dias, depois então é que eram temperadas ao gosto de cada família, no
nosso caso era apenas, água sal e as "benditas" ervas.
Fecho os olhos, vejo a "minha cozinha", a chaminé, o forno, o
pial das bilhas, mais ao lado por baixo da prateleira das panelas a talha de
zinco com o azeite, no chão por baixo do pial (por causa do salgadiço que por
vezes largava) o pote de barro com as azeitonas, que não se podiam tirar de
qualquer maneira, era com uma colher de pau, para não estragar aquela pelicula
que tinha por cima, que protegia de algum lixo ou bicharoco.
Estão a ver por onde andei?
Hoje não posso comer as azeitonas que adoro, mas o cheiro das ervas
aquece-me a alma, ao olhar para ela aqui no meu cantinho, vagueio por tudo o
que ela me trás à memória.
Não é simplesmente uma erva de azeitona silvestre e bem cheirosa, são
pedaços da minha vida, que me "alimentam" e me trazem um certo brilho
aos olhos que por vezes até se transformam em gotas salgadas, (tal como as
azeitonas) que deixo cair livremente.
São pedaços que gosto de recordar e partilhar convosco.
Nos "intervalos" arranjava sempre um tempinho para descrever
estes momentos, em boa hora o fiz, agora servem para eu reviver e mostrar aos
mais novos, modos de vida tão diferentes dos de hoje, que até parece que eu
nasci no tempo dos dinossauros, e afinal foi (só) há setenta e um anos.
És o conduto do pobre
Mas o teu azeite puro
Vai à mesa do mais nobre
Varejada com um pau
Depressa chegas ao chão
Estás gordinha e bem preta
Vais ser apanhada à mão
Depois à noite ao serão
Vamos todos trabalhar
Toca a tirar pé e folha
Que amanhã vai para o lagar
Vai montada na Carriça
A caminho do lagar
Na volta é azeite puro
Para a comida temperar
Azeitona preta e gorda
Um petisco sem igual
Fica pronta em três dias.
Escaldada com erva e sal
Vai nove dias para o rio
Se é para ser conservada
Fica num pote de barro.
Chega à próxima jornada
Pão quente a sair do forno
Uma sopa de feijão
E aquela azeitona preta
Que foi retalhada à mão
Hoje para a minha ceia
Só quero café e pão
E a boa azeitona preta
Que foi retalhada à mão
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