Quando Lisboa chegou à Povoa.

 Sabes Mãe, Lisboa já chegou à Póvoa.

Que raios de conversa dirão vocês, não é verdade?

Mas eu explico.

 Esta foi parte de uma "conversa" que tive com a minha Mãe.

Não é porque não está fisicamente perto de mim, que eu deixei de "falar" com ela todos os dias, enquanto eu viver os que amo, vivem comigo.

Vamos lá agora à "notícia, começo por dizer que a minha Mãe, nunca gostou de Lisboa, só mesmo em caso de necessidade.

Hoje chama-se trauma, há noventa e tal anos, chamava-se parvoíce.

Aos dez anos depois de completar a terceira classe, (nessa época só os filhos homens, tinham direito a fazer a quarta classe para poderem ter uma profissão melhor, as raparigas iam servir ou trabalhar no campo, não precisavam de saber mais, eram estas as mentalidades) a minha Mãe foi para Lisboa servir para casa de uns senhores que tinham aqui na zona, uma quinta onde passavam férias, mas nunca se adaptou, chorava noite e dia (claro que às escondidas) e nas férias seguintes em que os patrões vieram para a quinta, ela já não voltou com eles, os meus avós e as minhas tias (que também estavam em Lisboa) bem a quiseram convencer, mas não conseguiram, preferiu trabalhar no campo, dizia sempre que recordava esse tempo, que a galinha do campo, não quer capoeira.

Se foi por isso ou não, eu não sei, mas que não gostava isso sei eu.

Quando começaram a surgir os Centros Comerciais, ela ao ver na televisão, aquelas lojas todas no mesmo local e tão bonitas, percebi que ficou extasiada, deslumbrada, e começou a minha batalha para a levar a ver um só que fosse, pessoalmente, qual carapuça, arranjava sempre desculpa, depois o meu Pai adoeceu, e aí já nem eu falava em tal.

Depois do meu Pai falecer, cansei-me eu e a restante família, insistimos até à exaustão e nada nunca a conseguimos convencer.

Nessa altura já percebemos que a razão já nem era Lisboa, era simplesmente sair de casa.

Depressa percebemos que ela "deixou de viver" no dia em que o meu Pai faleceu.

Mas antes disso e aí a razão do título, quando eu falava no assunto, a sua resposta era sempre igual:

- Eu ir a Lisboa? Não, ela que venha cá se quiser.

Pouco tempo antes de partir, ao ver o crescimento da nossa terra, um dia disse-me:

- Ó filha sabes uma coisa? Acho, que no tempo dos teus netos, Lisboa vai chegar à Póvoa.

Não chegou a conhecer os meus netos, mas na verdade se calhar não se enganou por muito.

Hoje em menos de meia hora estamos em Lisboa, e os amarelos da carris já cá chegaram.

Sabes Mãe, Lisboa já chegou à Póvoa, estou sentada a cozer a bainha de umas calças, na tua máquina Singer muito velhinha, de dar ao pedal, mas que coze muito melhor do que a minha toda moderna e com a mania de ser eléctrica (também tem pedal, mas não gosto dele, nem dela) e aqui virada para a janela vejo passar os amarelo da carris, uns para cá, outros para lá, é um desatino, agora as paragens, são só uns números numas chapas, e agora já nem sei se vou gostar de tu teres adivinhado, mas pronto é o progresso, e se calhar ainda "vamos" as duas às compras a um centro comercial, antes de Lisboa chegar completamente à Póvoa. Beijinhos Mãe e contínua a olhar por nós.

Aqui fica a minha conversa que originou o título da minha partilha.

O importante é o que sentimos cá dentro, e só levamos connosco o carinho que partilhamos com quem amamos.



Comentários

Mensagens populares