Memórias de uma Casa

 Há dias ao regressar da minha caminhada reparei numa porta que habitualmente está fechada e estava entreaberta.

Parei, hesitei um pouco, espreitei lá para dentro.

Ouço uma voz que me diz: bom dia Rosita entra. Bom dia Ti Rosária.

Entrei, pergunta ela:

- Viste por aí o Caixeirinho; é que aquele maroto vem andando e conversando, nunca mais cá chega com as encomendas, há-de trazer arroz para eu pôr no feijão.

- Pois não vi não senhora. Quando atravessei a casa de fora (os mais novos não sabem o que quer dizer, é a primeira casa da habitação) vi a sua filha sentada junto à máquina de costura, estava a acabar um lindo vestido para uma freguesa.

Fui conversando com a Ti Rosária enquanto ela fazia a cama do filho, que é da idade do meu irmão João Fernando e trabalham juntos no talho do Joaquim Duarte em Lisboa. Em cima da cómoda uma imagem da Nossa Senhora de Fátima e duas molduras com fotografias antigas.

 - Olha estes são os meus pais e aquela é minha tia.

Fomos até à cozinha, ao descer os degraus, ouvir o crepitar da lenha a queimar e o cheiro do feijão a cozer, fez-me cá uma larica.

Fui até ao pátio para não pensar na comida, vi os coelhos, as galinhas, um porco gordo e rosadinho, quase a jeito para ir para a salgadeira, duas vacas e ainda a carriça.

Vi o Ti Zé no quintal a pôr o chão a jeito para semear as batatas. Ainda fui à adega, lá estavam os barris muito encostadinhos uns aos outros, três grandes para o vinho tinto e dois mais pequenos para a água-pé. Quase que tropeçava num galucho da Índia que queria entrar na cozinha.

Entretanto estava na hora de seguir o meu caminho.

Abri os olhos, estavam cheios de lágrimas, o coração batia mais forte.

O estado em que se encontra esta casa, outrora carregada de história, família, amor, carinho, deixou-me desolada, claro que nada desta lixeira tem a ver com as famílias que lá viveram, este estado deve-se ao desmazelo dos seus proprietários e à falta de respeito e de civismo dos malteses que por lá se têm abrigado, afinal ter poucos recursos é um assunto, ser porco e abusador é outro.

São estes factos que nos mostram que da vida só levamos o carinho que partilhamos.

Ficam as doces memórias. Afinal recordar é viver. Obrigada Ti Rosária por todos os momentos que partilhamos (e foram muitos) quando íamos levar o almoço aos homens (o meu pai e o seu marido) e no regresso ficávamos a conversar com as mulheres que estavam a lavar a roupa no açude.

Pedaços de vida.


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