Hoje estou aqui para vos contar a história da minha vida.

Sou a Parker 51, sou filha de George Safford Parker, um jovem engenheiro e professor, nascido a 1-11-1863.

Cedo o meu pai mostrou a sua veia de inventor, começou por fazer e reparar canetas que vendia aos seus alunos e colegas, mas pensando sempre à frente do tempo em 1888, com um colega fundou uma empresa que obteve muito sucesso.

Em 1939 nasceu aquela que viria a ser a jóia da coroa, a mais famosa e copiada de todas as canetas.

Euzinha, Parker 51.

Então eu e as minhas irmãs, começamos a correr mundo, eu vim parar a Portugal, morava numa loja muito chique, com uma grande montra, todos os que passavam na rua me cobiçavam.

Num dia de Outubro de 1964 entrou um senhor que se perdeu de amores por mim, levou-me com ele.

Toda pimpona, dentro do meu estojo, já ia fazendo planos, um senhor tão bem parecido, vou ser muito feliz nas suas mãos.

Engano meu, nem sequer me tocou, guardou-me religiosamente numa gaveta para dali a dias, com muito carinho me entregar às mãos do seu filho que completava 18 anos.

Começou a minha nova vida, o meu dono ficou muito feliz comigo, gostava muito de escrever e vivemos momentos muito bonitos.

De repente a nossa vida mudou.

 Em 1968, o meu dono foi enviado para a guerra colonial, Angola foi o seu destino, eu fui com ele.

Éramos inseparáveis, mandávamos notícia para a família, para a namorada, para as madrinhas de guerra, fui fiel depositário dos seus segredos, muitas vezes mentimos, "por aqui tudo bem meus queridos pais", eu sabia que não, mas não o podia desmentir.

O meu dono, como todos os jovens, que se viam envolvidos numa guerra que não queriam, nem entendiam, tinham de vez em quando, necessidade de algo que os fizesse sentir "vivos", o cinema, o álcool, as "namoradas ou outras distracções, eram um escape, mas para tal precisavam de dinheiro, o que era muito escasso.

O meu dono, de vez em quando pedia ajuda a um companheiro, outras vezes eram os companheiros que lhe pediam a ele, (lá se entendiam) até que um dia em que precisou de uma ajuda um pouco mais volumosa, fez questão de me entregar como garantia.

Por mais que o companheiro teimasse que não era preciso, o certo é que eu mudei de dono.

Fiquei triste, porque estava guardada, escondida sempre à espera que o meu dono me viesse resgatar.

Sei que muitas vezes ouve tentativas para eu ser devolvida, mesmo sem haver a moeda de troca, mas o meu dono nunca aceitou.

Até que terminou a nossa missão e num dia de Abril de 1970 regressamos à nossa terra.

Já no cais, entre abraços e choros eu vim na mão de quem me detinha, convencida de que iria com o meu dono, para a sua casa, puro engano.

Num abraço muito sentido ele confidenciou: a Parker é tua, em nome da nossa amizade e para que nunca me esqueças, ela será o nosso elo de ligação.

E assim mudei de dono e de vida, compreendi e aceitei, o respeito e o carinho entre os homens ainda existiam.

Os meus donos passaram muitos anos sem se ver, e quando finalmente se encontraram, eu fui mencionada, mas nada mudou, mais tarde o meu dono veio visitar-me à minha nova morada, mas disse-me que era aqui o meu lugar.

A guerra que provocou tanta morte, tanta miséria, também fez grandes Homens e grandes amizades.

Hoje os meus donos já não se encontram no reino dos vivos.

Onde estão sei que vão gostar de saber que eu estou bem e continuo a ser fiel depositária dos seus segredos.

Sabem um dia o pai do meu dono, perguntou-lhe por mim, estranhando a ausência da minha letra tão especial.

Sei que ele respondeu:

Sabe paizinho, guardei - a, tenho medo de a perder e comprei esta esferográfica.

Agora tenho uma dona, vivo numa gaveta do seu quarto, junto de outras relíquias que vieram de Angola comigo.

Tenho comigo o meu companheiro, que é da minha idade, dentro da sua caixa, estão vários papéis, um deles uma factura de uma loja do Luso com a data de 9 Maio 1969.

De vez em quando, a minha dona, pega em mim, alimenta-me e escreve, escreve, até se fartar, por vezes pergunta-me pelos segredos dos meus donos, ora essa, era o que faltava, segredo é segredo, e então alguns até são para maiores de 18 anos e ela já não tem idade para essas coisas. A minha dona nasceu em 1951, e o meu nome qual é?

Será coincidência, destino?

Mas estou muito feliz, sei que estou no lugar certo.

Já estão fartos da história da minha vida?

Fiquem sabendo que muito mais haveria para contar.

Aguardem o dia em que a minha dona se dispuser a contar-vos o que temos feito juntas com a ajuda de uns cadernos.

Dou por terminada a minha escrita por hoje.

Os meus respeitosos cumprimentos para quem teve paciência para ler a minha história.

Muito obrigada.

Sejam felizes.

Parker 51.




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