Costureira

 Um dia inteiro sem sair de casa, tinha que dar algum resultado não é verdade?

Quem é que se lembra destes naperons para se aprender a bordar?
Há pois, lembro-me eu que já nasci no século passado.
Fiquei "derretida" quando fui encontrar estas relíquias dentro de um saco esquecido num canto do sótão.
Que bom.
Depois de me "regalar" a olhar para eles, "recuei" perto de sessenta anos, e vou contar-vos uma história vivida nessa época.
...... Era uma vez,
Uma rapariga que tinha muitos sonhos, quando fez o exame da quarta classe, fartou-se de chorar, porque percebeu que não podia ir mais para a escola.
Ela sonhava que queria saber mais, mais, muito mais.
E então chorou enquanto as colegas festejavam felizes.
Sonhava tanta coisa impossível, que teve que deixar de sonhar tão alto e "assentar" os pés no chão.
Começou a sonhar em ser costureira, nunca tivera um vestido novo, se aprendesse podia fazer um à sua vontade, podia fazer uma blusa sem mangas, umas calças, mas isso se calhar não, as raparigas não podiam usar calças, ela não percebia porquê, afinal as meninas dos patrões podiam usar.
E o sonho "possível" tornou-se realidade, ela foi aprender a costurar.
As outras opções eram bem piores, ou ia para o matadouro lavar tripas, ou servir para casa dos patrões, que viesse o diabo e escolhesse.
E lá foi, durante dois anos foi aprendendo os primeiros passos na bonita arte de fazer uma peça de roupa lindíssima a partir dum bocado de tecido.
E gostava do que ia aprendendo, a princípio nem tanto, mas a pouco e pouco percebeu que tudo levava o seu tempo e tinha que saber de tudo.
O problema é que enquanto se aprende e até conseguir trabalhar para se sustentar, ia uma grande distância.
O sonho teve que ficar adiado, ainda fez o seu primeiro vestido novo, pois até aí sempre vestira roupa oferecida por quem já não a queria.
Gostou e guardou na memória todos os conselhos e ensinamentos que ouviu da boca da Dona Mariana.
Muitas histórias presenciou naqueles dois anos, muitas clientes "chatas como a potassa", muitas bem educadas e agradecidas, de tudo um pouco se passou naquela salinha de costura.
Assistiu à zanga de uma "menina" que se queixava de que o vestido que a sua criada estreara no dia da festa, estava mais bem feito que o dela, mas a Dona Mariana, já estava farta daquelas birrinhas de menina rica e não teve com meias demasia.
"Pois é menina, a menina comprou seda da mais cara, mas não comprou um corpo igual ao dela, de maneira que a chita faz mais vista do que a seda".
Com o seu vestido novo e algumas "luzes" sobre a costura a rapariga, foi correr atrás da realidade, comprou uma máquina de tricotar, porque com ela em pouco tempo aprendeu a trabalhar e começou a ter o seu ganha pão.
Não deixou de sonhar, mas cedo percebeu que não sabia viver sem sonhar, mas que não podia viver dos sonhos.
Uma história como tantas outras, numa época em que se diz que "éramos felizes e não sabíamos", não concordo em absoluto, éramos felizes porque (falo por mim) não conhecíamos outra realidade, éramos ensinados de que tínhamos muitos mais deveres do que direitos.
Felizmente o rumo da história foi mudando, talvez exageradamente, mas isso é outra conversa.
Com tudo isto ainda vou partilhar convosco uns versos escritos nessa altura.
Eu quero ser costureira
Para fazer roupa bonita
Seja popeline ou seda
Oi até mesmo de chita
Eu quero ser costureira
E fazer roupa da moda
Fazer blusas sem mangas
E saias curtas sem roda
Aos trapos quero dar vida
Quero aprender a cortar
Mas a Dona Mariana.
Só me manda esfoliar
De tirar tanto alinhavo
Até já não vejo bem
"Temos que saber de tudo"
Assim diz a minha Mãe
Tenho que ter paciência
E aprender a costurar
O dinheiro não cai do céu
Eu tenho que trabalhar.
E pronto meus amigos, eu enquanto vou partilhando mais um pedaço da minha vida, sinto-me na vossa companhia, que muito agradeço.
Uma boa noite para todos.
Saúde e paz para todos nós e para o mundo inteiro é o que mais precisamos.
Bem - Hajam.



P. S.
A foto na praia sou eu e a minha Mana para vos mostrar o meu primeiro vestido novo feito por mim, tinha treze anos, a minha Mana mais dez e era lindíssima (ainda é).





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