Poço Verde
Hoje na minha caminhada passei junto de um poço e fiquei a olhar para ele durante uns minutos.
De repente voltei há minha infância,
"vi-me" a correr pelos campos e abeirar-me dos poços para ver se estavam
"verdes" se sim, começava a lançar pedrinhas lá para dentro só para
ver o "verde" a ficar cheio de "buracos" era isso que eu
dizia aos meus pais quando me chamavam e ralhavam:
- Não te quero à beira do poço. Eu
respondia: só estou a fazer buracos no verde.
Eles riam-se e diziam um para o outro:
esta rapariga é doida.
Não foi só as minhas pedrinhas que me
chegaram ao pensamento.
O verde é esperança não é o que se diz?
Será que o poço estava verde no dia em
que uma Mãe de quatro filhos os deixou a dormir e se suicidou neste mesmo poço?
O que levaria aquela santa Mãe a um acto
desses?
Apenas uma certeza, ela deixou de viver.
Os filhos cá ficaram e felizmente todos
se criaram.
Com mais sacrifícios, com a falta do
amor de uma Mãe, mas tudo se passou.
Um deles já partiu para junto da sua
Mãe.
Afinal naquele local não fiquei só uns
minutos.
Fiquei o tempo suficiente para me
lembrar de outro episódio.
Mesmo em frente ao poço existia um
loureiro muito grande.
Um dia duas meninas que estavam a
brincar por ali, disseram que tinham visto a Nossa Senhora, e que falaram com
ela.
Influência de Fátima?
Talvez sim.
Quem sou eu para julgar e desmentir o
que aquelas meninas afirmaram.
Mas o certo é que a conversa se espalhou
e muitos "mirones" começaram a aparecer por ali, uns dias iam lá pôr
velas, outros dias flores, imagens de santinhos etc., etc.
Isto ainda durou uns tempos, uma das
meninas foi avisada na escola pela professora que teria que dizer que era tudo
invenção da sua cabeça, caso contrário viria a polícia para a levar para um
asilo - era assim que se metia medo naquela época -, ela claro que se fartava
de chorar porque (digo eu) queria acreditar na sua verdade.
O que sei e vi foi que um dia ao passar
lá perto vi dois militares das forças policiais e um civil a cortar o loureiro
e a vegetação à sua volta.
Fiquei muito admirada.
Para mim as forças policiais só serviam
para passar multas, aos donos dos matadouros porque os porcos atravessavam a
rua que era suposto ser para as pessoas passarem, mas depois levavam cabazadas
de carne e os donos dos matadouros até tinham grades para fechar a rua e os
porcos passarem sem serem incomodados pelos "peões.
E mais, um dia multaram a minha Mãe
porque tinha o tanque de lavar a roupa na rua e a sargeta para onde a água
corria ficava a dois metros, de maneira que tinha que ter um cano para levar a
água.
Tudo isto para dizer que vê - los a
cortar as árvores me causou uma grande estranheza.
E assim aquele assunto morreu por ali
mesmo.
As meninas felizmente ainda cá estão.
O que pensam hoje de tudo isto, eu não
sei nem tenho nada a ver com isso.
São pedaços de vida que partilho
convosco, memórias da nossa terra que de vez em quando sabe bem reviver.
A vida numa pequena aldeia no tempo da "escuridão" a que éramos obrigados a obedecer.
E já agora ainda vos digo que não me vim
embora sem antes mandar uma pedrinha para ver o buraco no "verde".
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