A Quaresma


Com tanta memória que o Facebook vai trazendo de volta, também eu hoje voltei ao meu caderno, e hoje foi mesmo a propósito, durante o dia lembrei-me das quartas-feiras de cinza dos anos cinquenta, sessenta, e até ainda dos setenta, quando se fazia o enterro do entrudo, do famoso Alfredo “Puta” a fazer de viúva, mais tarde o Joaquim “Rato-cego”, e também o Zeferino “Fani”, nomes de que os mais novos não se lembram, mas que os da minha idade se recordam perfeitamente.

Quando o sol se punha aí vinham eles com o defunto todo “enfeitado” a percorrer as ruas da terra parando em todos os sítios onde houvesse alguma coisa para beber, desde que não fosse água, e os gritos que se ouvíamos desabafos de ”viúva” as queixas que “ela” fazia eram mesmo “naquela época” para maiores de dezoito anos, hoje ouve-se bem pior entre qualquer idade, e até já é tão banal que se torna “bué de giro” pois eu além de tudo isto que eu me lembro com tanta nostalgia e saudade, lembrei-me do castigo que era para mim a Quaresma, não era por não comer carne, porque disso já a vida se encarregava a fartura era tanta que eu nem dava por falta da carne à sexta-feira. 
O meu castigo era não haver bailarico, até ao dia de São José, e depois eram duas vizinhas que me davam cabo da cabeça pois não queriam que eu cantasse nem brincasse e passavam a vida a fazer queixas de que eu não ia à missa e etc. e tal, claro que eu não podia responder, por respeito aos meus pais, mas a vontade era boa, assim vingava-me a fazer-lhes versos, que eu sabia que elas não liam, mas eu ficava aliviada, hoje lá onde estão, em paz ”espero e” que fiquem lá muitos anos sem mim e se tiverem Facebook ainda vão a tempo de ler, agora ao fazer esta partilha espero não estar a ferir ninguém pois respeito todas as opiniões e julgo que todos compreendem que isto foi escrito quando eu tinha talvez quinze anos e que nada tem a ver com os dias de hoje.

Apenas por curiosidade posso acrescentar que o meu pai sem saber ler nem escrever, todos os dias ao deitar e ao levantar dizia uma oração que a minha avó lhe tinha ensinado e que ele nos ensinou a nós, um dia destes partilho-as convosco, e que a minha mãe durante a sua vida nunca comeu carne à sexta-feira, isto para vos dizer que cada um interpreta a fé à sua maneira e que tenho o maior respeito por todos vós que me estão a ler.




A Quaresma

Acabou o Carnaval
O castigo vai começar
Só dia de São José
É que vou poder dançar
Quaresma é sacrifício
É tempo de não pecar
Eu cá não sei se consigo
Nem sei bem se vou tentar
Dizem que não comem carne
Olha que grande avaria
De resto comem de tudo
Isso também eu fazia.
Tratadas a pão e água
Isso é que tinha que ver
Ficavam logo elegantes
Não tem nada que saber.
Batem com a mão no peito
Selectas muito santinhas
Assim que chegam à rua
Dizem mal das vizinhas.
Cada um reza o que quer
A mim não me diz respeito
Mas não se metam comigo
Deixem-me ser ao meu jeito.
Se eu rezo ou não é comigo
Não tenho contas a dar
As contas que eu fizer
Sou eu que as vou pagar.

Assim meus amigos, me “vingava” hoje servem de passatempo para mim e para quem lê, espero que gostem de recordar estes tempos que já vão tão longe.
Por hoje não vos maço mais, uma boa noite para todos, muito obrigada pela vossa companhia.

Bem Hajam.


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